31 de maio de 2014

Sobre a tolice - Dietrich Bonhoeffer



A tolice é um inimigo mais perigoso do bem do que a maldade. Contra o mal se pode protestar, é possível desmascará-lo, pode-se, em caso de necessidade, impedi-lo com o uso da violência. O mal sempre já traz em si o germe da autodesagregação, pelo fato de deixar ao menos um mal-estar na pessoa. Contra a tolice não temos defesa. Nada se consegue com protestos nem com violência; argumentos não adiantam; a fatos que contradizem o próprio preconceito não se precisa dar crédito - em tais casos o tolo até mesmo se torna crítico - e se esses fatos são incontornáveis, simplesmente se pode pô-los de lado como casos isolados sem significado. Diferentemente do malvado, o tolo está completamente satisfeito consigo mesmo; ele até mesmo se torna perigoso, pois facilmente se sente provocado e passa à agressão. Por isso, recomenda-se mais cautela em relação ao tolo do que ao mau. Nunca mais tentaremos persuadir o tolo com argumentos; é inútil e perigoso.

Para sabermos como podemos enfrentar a tolice, teremos de procurar entender sua natureza. Está provado que a tolice não é essencialmente um defeito intelectual, mas um defeito humano. Há pessoas intelectualmente muito ágeis que são tolas e outras intelectualmente muito lentas que são tudo menos tolas. Para nossa surpresa fazemos essa descoberta por ocasião de determinadas situações. A impressão que se tem é de que a tolice não é tanto um defeito de nascença, mas que, sob certas circunstâncias, as pessoas são feitas tolas, isto é, deixaram-se tornar tolas. Observamos ainda que pessoas retraídas e de vida solitária apresentam esse defeito com menos frequência do que aquelas pessoa sou grupos de pessoas que se inclinam à convivência e estão condenadas a ela. Assim sendo, a tolice talvez seja um problema mais sociológico do que psicológico. Ela é uma forma particular de influência das circunstâncias históricas sobre a pessoa, um sintoma psicológico de determinadas situações externas. Examinando melhor a questão, mostra-se que qualquer demonstração exterior mais forte de poder, seja ele político ou religioso, castiga boa parte das pessoas tornando-as tolas. E até se tem a impressão de que se trata aí de alguma espécie de lei sociológico-psicológica. O poder de uns precisa da tolice de outros. No entanto, o que acontece não é que determinadas capacidades – como, por exemplo, na intelectuais – de repente se atrofiem ou desapareçam na pessoa, mas que, sob a impressão avassaladora causada pela demonstração de poder, a pessoa é privada de sua autonomia interior e então desiste – mais ou menos inconscientemente – de encontrar uma postura própria diante das condições de vida com que se depara. O fato de que o tolo muitas vezes se mostra obstinado não deve nos levar a concluir que seja independente. Na conversa com ele chega-se a sentir que não é com ele mesmo que se está tratando, mas com chavões e palavras de ordem que tomaram conta dele. Ele está fascinado, obcecado, foi maltratado e abusado em seu próprio ser. Tendo-se tornado, assim, um instrumento sem vontade própria, o tolo também é capaz de qualquer maldade e, ao mesmo tempo, incapaz de reconhecê-la como tal. Aqui reside o perigo de um abuso diabólico, por meio do qual pessoas poderão ser destruídas para sempre.

Mas é também neste ponto que se torna muito claro que não é um ato de instrução, mas somente um ato de libertação que poderia vencer a tolice. E aí teremos de conformarmo-nos com a constatação de que uma libertação interior autêntica, na maioria dos casos, somente será possível depois que tiver acontecido a libertação exterior. Até que esta aconteça, temos de desistir de todas as tentativas de persuadir o tolo. Este estado de coisas também explica por que, nas referidas condições, nos esforçamos em vão para saber o que “o povo” realmente pensa, e por que, para a pessoa que pensa e age com responsabilidade, essa pergunta torna-se, ao mesmo tempo, dispensável – sempre apenas sob as circunstâncias dadas. A palavra da Bíblia de que o temor de Deus é o princípio da sabedoria afirma que a libertação interior da pessoa para uma vida responsável diante de Deus é a única verdadeira superação da tolice.

Aliás, estas reflexões sobre a tolice têm até um aspecto consolador, porque de maneira alguma permitem que consideremos a maioria das pessoas como tolas em qualquer circunstâncias. A questão decisiva é realmente se os detentores do poder esperam mais da tolice ou da autonomia interior e da inteligência das pessoas.


Dietrich Bonhoeffer – 1942; Prisão de Tegel, Berlim.

O Calvinismo Social




Já estou cansado com o "calvinismo social", justiça social, TMI, e afins.

ÓBVIO é o fato que concordo com obras sociais, mas acontece que esse pessoal, quando não deixam bem claro, deixam nas entrelinhas - e, consequentemente percebe-se que esse é o eixo de sua teologia - que o alvo, o objetivo, a preocupação última, o âmago, o centro da fé é a justiça social.



Acabo de ler um texto de um dos ícones do "calvinismo social" dizendo que:

1 - Cristo andou aonde mais se necessitava de compaixão.

2 - Cristo dedicou quase toda a sua vida para cuidar dos miseráveis.

3 - Santidade também é se importar com as mazelas sociais.

4 - O amor aos necessitados é o maior princípio ético.

5 - Encontre Deus no pobre!


Analisando as sentenças, precisamos pensar:

1 - A compaixão de Cristo era restritamente ligada à pobreza? Será que o objetivo da pregação de Cristo era somente erradicar a pobreza material?

2 - Será que Cristo dedicou sua vida quase toda apenas para livrar os judeus da opressão romana? Será que isso valia mais do que arrependimento, perdão de pecados, reconciliação, salvação, fé, graça, etc?

3 - Uma igreja santa é uma igreja separada. O Espírito nos santifica para toda boa obra, inclusive a obra social. Mas será que uma igreja inerte (algo que seria um erro) deixa de ser santa pelo Espírito que já a santificou por não acudir o pobre? Que confusão!

4 - Tenho preocupações de tornar o amor aos necessitados um dogma maior que as coisas espirituais do Reino de Deus. Uma coisa não anula a outra, mas PRIORIZAR esse amor que passa por cima da real necessidade do homem sem Deus em prol da erradicação da miséria, mostra uma leitura humanista, antropocêntrica (sim!) do Evangelho. As consequências são muitas e grandes. Inclusive o Cristo social deixa de ser o Cristo Messias.

5 - Apesar de Deus se preocupar com o pobre, acho tão liberal e pecaminoso dizer aonde Deus deve estar quanto dizer que Deus não existe. Me desculpem, mas é isso mesmo.



Estão criando um Deus e um Evangelho socialista!


Pode ser que alguém tente argumentar que: "Não! Obra social é de fato secundário diante do Reino de Deus, do Evangelho. Não estamos querendo dizer isso."

O problema é que estão dizendo isso! Além disso, estão dizendo-fazendo.

É complicado demais colocar os carros na frente dos bois. A ideia é ótima, ajudar mais ainda. A igreja (cristãos) deve fazer obra social. Mas Cristo é o fundador de sua Santa Igreja e não de uma ONG piedosa. Tem que saber separar. Cria-se uma confusão para todo o cristianismo, inclusive para a própria pessoa de Cristo, como eu mesmo disse.

É só minha opinião. Podem discordar. Mas acho que está bem evidente nas falas, nos atos e na mentalidade que essa "linha social" está sendo colocada no centro, no lugar que é de Cristo.

Poderia resumir minha crítica da seguinte forma: o amor aos pobres em nome de Cristo está se tornando maior do que o amor à Cristo e ao seu Reino.

No mínimo, é uma questão a ser repensada...