15 de fevereiro de 2016

A letra mata!



Me lembro desde muito tempo atrás ouvir, quando não pregações sobre esse versículo, exposições que sempre tangenciam o tema “erudição” e é claro, declarando esse ser um mal para a igreja e o cristão.
Mas os argumentos nunca me convenceram. Mesmo antes de sonhar em estudar teologia. Não fazia sentido.
Vamos em primeira instância analisar quem escreveu a frase.
Quem era Paulo?

Sua linhagem e formação
Quando Paulo chega em Jerusalém e é preso, discursa sua defesa para a multidão e no início, fala o seguinte: “Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade e aqui fui instruído aos pés de Gamaliel, segundo a exatidão da lei de nossos antepassados, sendo zeloso para com Deus, assim como todos vós o sois no dia de hoje.” At 22.3 (ARA)
Paulo era de Tarso, a cidade aonde tinham as melhores universidades da época, a tradição diz que ele aprendeu filosofia, dialética e ciências jurídicas, além disso ele declara ser judeu e juntamente diz sua formação religiosa, que foi com o Rabino Gamaliel, neto de Hilel, um dos maiores educadores do judaísmo, ele foi autoridade dentro do Sinédrio e reconhecido mestre e Doutor da Lei.
Seu preparo para o ministério
Em Gálatas, temos o relato do próprio Paulo acerca do período que se preparou antes de iniciar de fato seu ministério.
“Mas Deus me separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça. Quando lhe agradou revelar o seu Filho em mim para que eu o anunciasse entre os gentios, não consultei pessoa alguma. Tampouco subi a Jerusalém para ver os que já eram apóstolos antes de mim, mas de imediato parti para a Arábia, e tornei a voltar a Damasco. Depois de três anos, subi a Jerusalém para conhecer Pedro pessoalmente, e estive com ele quinze dias. Não vi nenhum dos outros apóstolos, a não ser Tiago, irmão do Senhor. Quanto ao que lhes escrevo, afirmo diante de Deus que não minto.” Gl 1.15-20 (NVI)
Vemos que ao ser chamado, ele foi para longe, para escutar somente a Deus, se preparar, reorganizar sua mente, seus conceitos, ter um tempo intensivo com essa nova cosmovisão que lhe havia sido dada.
Capacidade linguística e filosófica
Paulo era homem instruído em idiomas.
Acredita-se, pelos relatos bíblicos que Paulo falava hebraico, aramaico (língua comercial da Judéia), siríaco, turco, grego e latim.
“Dou graças a Deus por falar em línguas mais do que todos vocês. Todavia, na igreja prefiro falar cinco palavras compreensíveis para instruir os outros a falar dez mil palavras em língua” 1 Co 14.18-19
(Lembrando que todas as vezes que vemos “línguas” no Novo Testamento, no grego, é referente a idiomas; contrariando a premissa pentecostal de línguas espirituais ou estranhas, a análise literal do texto e gramatical da palavra, sugere idiomas ou dialetos, nada sobre humano. Visto que o propósito da língua na igreja de Corinto, cidade portuária e com muitos estrangeiros - assim como foi em todos os relatos da manifestação desse dom -  era informar acerca de Deus à homens de outras nacionalidades.)
Além disso, vemos na Bíblia a sua capacidade filosófica. Paulo em Atenas discursou para uma multidão em pleno areópago grego, onde defendeu a fé cristã e muitos se converteram, na mesma medida em que muitos se revoltaram quando Paulo mencionou a ressurreição de Cristo, algo inconcebível para a mentalidade daquele povo, por causa das influências filosóficas gregas.
Plantação de igrejas e missões
Não é novidade para ninguém as igrejas que Paulo plantou, bem como suas muitas viagens.
Paulo é considerado o maior teólogo, apóstolo, pastor, mestre, discipulador, plantador de igreja e missionário que já existiu.
Após esse currículo, o que podemos dizer de Paulo? Era um indouto? Era alguém que desprezava a erudição, conhecimento, sabedoria?
Ou era alguém extremamente qualificado nesse sentido?
Fica óbvio que Paulo não está condenando a erudição no versículo.
Agora veremos a interpretação correta do versículo, analisando seu contexto e sua mensagem.
“Sim, é claro que vocês são uma carta escrita pelo próprio Cristo e entregue por nós. Ela não foi escrita com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo; ela não está gravada em placas de pedra, mas em corações humanos.
Dizemos isso por causa da confiança que temos em Deus, por meio de Cristo.
Em nós não há nada que nos permita afirmar que somos capazes de fazer esse trabalho, pois a nossa capacidade vem de Deus.
É ele quem nos torna capazes de servir à nova aliança, que tem como base não a lei escrita, mas o Espírito de Deus. A lei escrita mata, mas o Espírito de Deus dá a vida.
Quando a lei, que traz a morte, foi gravada em placas de pedra, a glória de Deus apareceu, e o rosto de Moisés ficou brilhando. O brilho do seu rosto já estava desaparecendo quando ele entregou as placas ao povo de Israel; mas mesmo assim esse brilho era tão forte, que os israelitas não podiam fixar os olhos em Moisés. Se o domínio da lei veio com tanta glória, quanto maior ainda é a glória que acompanha o domínio do Espírito de Deus!
A lei, que condena as pessoas, teve glória; porém muito mais glória tem o Espírito, que traz a salvação.
Pois a glória que antes era tão grande não é mais nada por causa da glória de agora, que é muito maior.
De modo que, se houve glória naquilo que durou somente um pouco de tempo, muito mais glória tem aquilo que dura para sempre.
E, porque temos essa esperança, agimos com toda a confiança.
Nós não fazemos como Moisés, que cobria o rosto com um véu para que os israelitas não pudessem ver que o seu brilho estava desaparecendo.
Mas eles não queriam compreender e, até hoje, quando eles lêem os livros da antiga aliança, a mente deles está coberta com o mesmo véu. E esse véu só é tirado quando a pessoa se une com Cristo.
Mesmo agora, quando eles leem a Lei de Moisés, o véu ainda cobre a mente deles.
Mas o véu pode ser tirado, como dizem as Escrituras Sagradas: “O véu de Moisés foi tirado quando ele se voltou para o Senhor. ”
Aqui a palavra “Senhor” quer dizer o Espírito. E onde o Espírito do Senhor está presente, aí existe liberdade.
Portanto, todos nós, com o rosto descoberto, refletimos a glória que vem do Senhor. Essa glória vai ficando cada vez mais brilhante e vai nos tornando cada vez mais parecidos com o Senhor, que é o Espírito.”
2 Co 3.3-18 (NTLH)
Fica bem claro, ao ler toda a perícope, que Paulo está defendendo a nova aliança e falando da ineficácia da velha Lei. Assim como ele fez em Romanos 7 e 8.
Quando se diz que a letra mata, quer dizer que a Lei Mosaica serviu somente para nos mostrar nosso pecado, nos matar; letra não significa erudição!
Já com a nova aliança, recebemos o Espírito de Deus, aquilo que Moisés experimentou em parte, agora se manifestou, em Cristo, de forma plena. Por isso o Espírito vivifica.
Considero que não há necessidade de ir muito além disso. O texto é claro.
O trecho de um texto do Rev. João Alves dos Santos, ministro da Igreja Presbiteriana Conservadora do Brasil, diz:
“Como podemos conhecer a Deus sem estudar a revelação que Ele faz de Si mesmo? Como saber quem Ele é e o que Ele tem feito e faz, quem somos nós em relação a Ele, o que Ele requer de nós, etc., se não investigarmos o que Ele deixou revelado para nosso conhecimento? Pois esse é o trabalho da Teologia. Esse trabalho parte de três pressupostos: O primeiro é o de que Deus existe; o segundo, de que Ele pode ser conhecido, embora não de modo exaustivo e completo; e o terceiro, de que Ele tem Se revelado tanto por meio de Suas obras (criação e providência - Revelação Geral - Sl19:1,2; At 14:17), como, principalmente, nas Santas Escrituras (Revelação Especial - Hb1:1,2; 1 Pe 1:20,21). É porque Deus Se revelou que podemos conhecê-Lo. Nosso conhecimento de Deus não é intuitivo, nem natural, mas comunicado por Ele mesmo através dos meios que soberanamente escolheu. “Fazer teologia”, portanto, não é inventar teorias a respeito de Deus e de Suas obras, nem mesmo “descobrir” a Deus, mas conhecer e compreender a revelação que Ele próprio deu de Si. Por isso, qualquer estudo de Deus que não tiver a Sua revelação como base, meio e princípio regulador não é “teologia”, devidamente entendida.”
Agora, concluindo, você me diria que conhece ou sabe de inúmeros pastores e mestres que sucumbiram à erudição e perderam o amor, a fé, a sensibilidade, etc. Isso é verdade. Há uma gama de pastores e mestres que tem falhado nisso. Mas na mesma proporção, a ignorância e despreparo têm gerado no Brasil, um evangelicalismo pobre, miserável e fútil.
Os dois extremos são ruins. A diferença está apenas no que cada um deles causa. Um esfriamento e ceticismo; o outro um “fogo estranho”, falsas doutrinas e heresias dentro da igreja cristã. Que haja um equilíbrio em nós.
O ministério da Palavra, deve ser permeado de dedicação, aperfeiçoamento, excelência, erudição (sim!), além de amor, sensibilidade e piedade.
Portanto, essa foi uma defesa em prol de melhores pastores e mestres, que conheçam as doutrinas da fé cristã, aquilo que homens sérios vêm há séculos preservando e estudando, que não sejam animadores de palcos, gritadores; e melhores sermões ao invés de pregações rasas e sem preparo, sem zelo, feitas às pressas, antropocêntricas, fúteis, mentirosas e heréticas.
Que Deus nos ajude!